sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Isso tudo é uma grande ferveção

Na semana passada nasceu mais uma diva da cultura on-line. Levada para uma delegacia após uma confusão com um suposto cliente, uma travesti, que não consigo descobrir o nome, tinha tudo para virar mais uma atração do circo de horrores que é o jornalismo policial das emissoras periféricas do Nordeste.

No entanto, aproveitou seu momento Warhol de fama e ficou lá, "divando" para câmera. Com mil caras e bocas, parecia dirigir a cena a seu bel prazer: "Baixa a câmera, olha a cintura"; "Papi, quero mostrar minha bolsa 'Luis Vitom'"; "Só no meu megahair tem quantos salários mínimos? Acha que eu preciso roubar ele?" (tudo em sic, por favor).




Ao que parece, no jornalismo policial nordestino, é sempre a travesti, que como "agravante" tinha o fato de ser negra, que é a ladra. O cliente, que em nenhum momento o câmera desse programa "Se Liga Bocão" teve a coragem de filmar o rosto, nunca é o responsável por ter tentado, quem sabe, fazer um programa e dar o calote na travesti. Mesmo assim, a travesti diva ainda tentou, mais uma vez se mostrando uma exímia marqueteira de si mesma, reverter a situação: "Mostra o rosto dele pra mulher dele saber que ele gosta!" O câmera e o repórter, no ápice de sua covardia, fingiram não ouvir.

Pior, o repórter desconversa, mais uma vez, perguntando se a travesti bebia e usava drogas, afinal, travesti é tudo viciado, né? "Eu só compro grife. Olha meu óculos: é Roberto 'Carvali'!", responde a travesti novamente. O repórter, no melhor estilo de jornalismo Amado Bueno (o repórter manipulador de "O Beijo no Asfalto") ainda tenta uma última vez desmoralizar a travesti perguntando quanto é o programa. "Por quê? Você quer fazer programa comigo?" O microfone do repórter broxa de uma vez por todas e a "reportagem" termina com esse belo "fatality" de nossa nova Marilac.

Em maio deste ano, a também dita "repórter" Mirella Cunha, da Band na Bahia, acabou demitida após um vídeo seu em que humilha um acusado de estupro que não conseguia pronunciar a expressão "exame de próstata". A tática, novamente, era essa de já tentar condenar o rapaz em frente às câmeras, "facilitando" assim o trabalho da "justiça". Acabou demitida, justamente, na minha visão, mas devia ter ido junto ao editor que lhe dava aval.


Esses dois casos mostram o reflexo de uma audiência sádica e sedenta por um tipo de justiça torta, de enforcamento em praça pública, gente medieval mesmo. E é essa mesma sociedade que parece querer levar às prefeituras de São Paulo e Curitiba figuras precursoras desse jornalismo policialesco, porque, aparentemente, Celso Russomano "sempre defendeu os direitos dos pobres", enquanto Ratinho Jr., ah, ele é filho do Ratinho, herdeiro da escola Alborghetti que pregava que bandido bom era bandido morto e que travesti e viado "se cura" na base da bordoada.

Para piorar o panorama, por trás do Russomano estão as lideranças da Igreja Universal do Reino de Deus, aproveitando sua máquina de lavagem cerebral para angariar votos para o candidato que votou contra a lei da ficha limpa e que acha que fazer uma bom trabalho como jornalista é apalpar mulatas durante a cobertura do Carnaval. Vildomar Batista, diretor do "Programa da Tarde" e de outras atrações da Record já declarou seu voto no Twitter ao "jornalista".

E a "guerra santa" pela prefeitura de São Paulo ganhou mais um combatente. Nessa quinta-feira, durante o horário eleitoral gratuito, quem deu as caras no programa do PP, o partido do Maluf, que apoia o Haddad do PT, foi o bispo Valdemiro Santiago, que disputa fieis no mercado evangélico com a Universal e que já foi alvo de algumas reportagens depreciativas na emissora da Barra Funda.

Certa está a travesti, que em meio a um panorama desses ganha ares de filósofa: "Isso aqui pra mim é uma grande ferveção!"

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

VMB ignora mais uma vez a música sertaneja por considerar irrelevante para "jovens urbanos"

A MTV Brasil está em crise: crise de audiência, crise de identidade. Sua programação, que nos anos 1990 era essencialmente musical, agora tem seu sucesso garantido por programas (excelentes, aliás) de comédia stand up. Mesmo assim, sua audiência é pífia. Não passa do meio ponto no Ibope.

Os apresentadores do VMB Didi, China, MariMoon, Jana Rosa e Tatá Werneck durante o lançamento (11/9/12)


Durante o lançamento do VMB 2012 na última terça (11), a emissora mostrou todo seu rol de artistas que iriam compor "um panorama completo da música brasileira", mas, mais uma vez, deixou de fora aquele estrilo que, talvez, pudesse ser a sua salvação: o sertanejo, campeão de todas as paradas de sucesso no país. A explicação, segundo a direção do canal, é meramente "editorial". Veja as justificativas no texto publicado por mim ontem no UOL - Televisão.

Abaixo um trechinho do que foi dito:

"Aqui a gente está naturalmente falando que celebra a música e que a gente se preocupa a olha para a música como um todo. Isso é absolutamente verdadeiro. Mas a gente faz aquilo que a televisão e o editor têm de fazer, que é escolher. E a gente escolhe. Então, a não ser que as nossas escolhas sejam corrompidas por outros desígnios, acho muito difícil que a gente crie ou olhe para o segmento sertanejo como algo que tenha a ver com a gente", Zico Goes, diretor de programação da MTV.  

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A titia Augusta dos emergentes

Há muita gente reclamando do mal aproveitamento da atriz Betty Faria em "Avenida Brasil". Coincidência ou não, os autores da trama deram a ela um dos melhores textos da novela até agora.

Digo um dos melhores textos porque, além de ser carregado de ironia, é um bom reflexo de um movimento que já deve estar acontecendo em diversas grandes cidades do Brasil: a aristocracia decadente "aculturando" os "selvagens" da classe C.

A cena ocorreu na sexta-feira, 7 de setembro, também, coincidência ou não, dia da independência do Brasil. Alexia (Carolina Ferraz) pedia ajuda a Pilar (Betty Faria) para passar roupas. A ex-milionária olha com desdém para a filha enquanto toma um coquetel de cachaça com mate ("tapando o nariz até parece Scotch", comenta).



Depois de dizer que não tinha o menor jeito para passar roupas, afirma que ajudará a filha de outra maneira: "Descobri um jeito de ganhar dinheiro! Levando novo rico pra Europa! Esses amigos do Carlinhos, lá do Divino. O dinheiro tá lá minha filha! Tá lá! A cultura tá aqui, com a aristocracia decadente... Aí eu pensei em organizar excursão pra Paris, pra Roma, levo esse povo todo pra conhecer museu, explico monumentos, ruínas, levo ao restaurante, peço comida, ajudo nas compras... O que você acha? Imagina se eu entro nesse circuito? Jogador de futebol, cantor sertanejo, pagodeiro... Eu vou ser a titia Augusta dos emergentes..."

E não é mais ou menos isso que as Casa Bahia tem feito nos últimos anos?

Veja a cena completa aqui:


sábado, 8 de setembro de 2012

Me condenem, mas eu acho o "SNL" engraçado

O Brasil tem sofrido de uma falta de humor crônica. Com nossas instituições cada vez mais decrépitas, o único espaço em que não se admite palhaçada e deboche é, ironicamente, na indústria do entretenimento. Ficamos tão especialistas em criar ilusões perfeitas que tentamos consertar os defeitos da realidade através da ficção.

Na semana passada, por exemplo, a mesma juíza que entrou com o processo de investigação sobre um possível estupro na última edição do "BBB" agora está querendo processar a personagem negra, pobre e desdentada do "Zorra Total".  OK, exagero, ela quer processar a Globo, o ator ou os dois, afinal, o Brasil está como a Holanda, com vaga sobrando na cadeia e com bandido faltando na rua, por isso, uma das soluções encontradas para melhorar a qualidade de vida na sexta maior economia do mundo foi processar personagens da ficção e humoristas boquirrotos.

Uma das vítimas dessa onda foi Rafinha Bastos. Não sei o que aconteceu com a Rede TV! para ter demorado tanto para colocar o "Saturday Night Live" na noite de sábado, mas vendo o programa dessa noite dá pra ver que, independentemente do "crime" cometido por Rafinha contra a família Camargo, o programa dele na Rede TV! está com esquetes boas, engraçadas, inteligentes e interpretadas por ótimos atores.



Esbarram no politicamente correto? O tempo todo, mas e daí? Não gosta, não assista. Achou chato, achou ruim, achou ofensivo, simplesmente não assista mais. É muito mais eficaz e confortável tirar o que sustenta o mau humorista: audiência e, consequentemente, patrocínio.

Eu não gosto nem um pouco do "Zorra Total". Acho um programa ultrapassado, com um tipo de humor desgastado e anacrônico. Pode até ser que esse apelo sem graça, batido e mega ultrapassado do cabelo de bombril seja racista, mas não vai ser censurando o ator que a sociedade vai aprender a não ser racista. Censura é dispositivo próprio de ditaduras.

Agora, pergunto, por que será que ninguém se indigna com o horário eleitoral gratuito? Não é ofensivo e imoral o descaramento e o péssimo exemplo que os políticos nos obrigam a veicular dentro das nossas casas toda eleição? Que exemplos os nossos filhos terão desse tipo de programação? Que não importa o crime que se cometa no Brasil, você sempre será apoiado por uma quadrilha sustentada pelo seu dinheiro?

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Canal Bis exibe o adeus do A-Ha

O A-Ha, banda norueguesa famosa nos anos 80 por hits como "Stay on these Roads", "Cry Wolf" e "Take on Me", resolveu se separar com elegância. Nesta sexta (7), o Canal Bis exibiu o show final da turnê de despedida, "Ending in a High Note", gravado em Oslo, terra natal da banda.

Em um palco com projeções sofisticadas, efeitos de luz hipnotizantes e com fãs de todo o mundo, Morten Harket, Paul Waaktaar-Savoy e o tecladista Magne Furuholmen emocionaram a plateia em performances musicalmente bem recicladas, arranjos modernos e o vocal impecável de Harket.

O momento mais emocionante do show foi quando o vocalista puxou um coro de "Hunting High and Low". Se você perdeu, repete amanhã, sábado (8), às 15h35.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Talvez haja um ídolo no "Idolos"

Embora já tenha passado por quatro edições sem revelar um verdadeiro ícone popular no Brasil, o reality show "Ídolos", da Record, revelou em seu primeiro dia um candidato que merece atenção.

Everton Maciel, 22 anos, de Porto Alegre fez Fafá de Belém chorar copiosamente. Tá certo que a gente sabe que a Fafá se emociona fácil, seja cantando o hino, seja encontrando o papa, mas o fato é que o rapaz é de um carisma autenticamente brasileiro.


Abandonado pelo pai quando tinha cinco anos, Everton parece viver apenas na companhia de amigos muito mais velhos que ele, todos apreciadores de samba. Ele conta que cresceu ouvindo Cartola, Elizeth Cardoso e Beth Carvalho na companhia da avó.

Qualificado pelos amigos como educado, humilde, sensível e melancólico, Everton teme pelo futuro do samba: "A gente toca aqui [no bar] e é uma choradeira. Porque a essência é o samba e o samba é muito melancólico. O samba tá morrendo, tá morrendo... Tem uma música que diz que o samba agoniza, mas não morre, mas do jeito que tá, não sei não... Se eu viver mais 60 anos eu acho que não vou ver samba", diz aos risos.

Everton chega ao local da audição. Seu estilo de se vestir mistura o malandro carioca com o garoto da periferia. Ele diz a Marco Camargo que é ascensorista e começa a cantar "Naquela Mesa". O gestual é do próprio Cartola. A voz, como observa Camargo, não "está no nível das pessoas que cantam".

Supla o aprova pela emoção da voz e pelo estilo. Marco Camargo diz não, embora respeite o fato de o rapaz emocionar. A voz, contudo, é tão carregada de choro que leva Fafá de Belém às lágrimas. "Não tem a voz perfeita, não é o mais bonito, mas carrega toda a vida numa garganta. Você me lembrou Cartola, Nelson Cavaquinho, Zeca Pagodinho. Você é um "Ídolo"? O resultado só nesta quinta-feira.

Veja a apresentação do rapaz aqui:

Até Elvis mandou a TV pro inferno


The Elvis Experience

O mal contra o mal na novela das 9


Texto do Bucci sobre Avenida Brasil, publicado na Época

O que mais vem chamando a atenção dos adoradores da novela das 9, Avenida Brasil, é que a vilã é uma troglodita, e a mocinha é pior ainda. Nenhuma é boazinha. No festival de maldades apoteóticas que virou obsessão nacional, não existe a princesinha de porcelana, inocente e indefesa. Carminha (Adriana Esteves), que até aqui respondeu pelo papel de bandida oficial, até sabe fazer beicinho, como se fosse uma donzela da extinta Jovem Guarda, mas sua candura, quando aflora, é puro fingimento. No polo oposto, Nina (Débora Falabella), que seria a mocinha, guarda uma bruxa má e ressentida dentro de sua formosura adolescente. Tem os braços finos de garota rica e os olhos flamejantes de dragão, olhos que são uma janela para o inferno.
Mas... e o bem? Onde foi parar o bem? No duelo do mal contra o mal, irrompe essa pergunta aflita. No universo das novelas, é uma interrogação incomum – e muito corajosa.

Aí está o sentido profundo do engenhoso suspense criado por João Emanuel Carneiro. O bem evaporou. Qual será a referência moral agora? Avenida Brasil é um melodrama escarrado, como todas as novelas anteriores, mas é, ao mesmo tempo, um melodrama diferente. É melodrama porque os elementos melodramáticos estão todos lá: o casalzinho que enfrenta descaminhos antes de consumar seu desejo, a criança injustiçada que cresceu e quer vingança, o moço bonito que não sabe quem é seu pai de verdade, a pobre que fica rica, a rica que fica pobre, além da inveja, do ódio e do amor, o amor, o amor.

Salvador desmoralizado
No mais, Avenida Brasil é diferente. Nela, não cabem as soluções moralistas. Uns são maus, e os outros também. Uns e outros são mensageiros da perfídia. Até mesmo Tufão, o raríssimo exemplar de bom caráter, é meio abobado e tem seu lado sombrio: atropelou e matou um homem, ainda que acidentalmente e, no início da história, fraquejou e traiu a noiva, ainda que lhe reste a desculpa de que só agiu mal por ter caído na armadilha de Carminha.

Uns roubam, outros premeditam as agressões mais vis, e há os que escondem crimes, próprios e alheios, num ambiente em que toda fidelidade será castigada. Ao menos por enquanto, Avenida Brasil não trabalha com a ideia de pureza e não alimenta esperança na virtude. E, se não há virtude, se o mal é convocado a lutar contra o mal, existirá um happy end em que o bem possa finalmente vencer?

O potente sucesso do atual novelão das 9 pode ter a ver com essa pergunta. Além dos bons atores, quase de praxe, dos novos enquadramentos, dos diálogos que finalmente trazem alguma espontaneidade, Avenida Brasilreflete dúvidas morais que tocam a alma brasileira do nosso tempo. Esse talvez seja o ponto central. Muito se falou que a novela tinha acertado ao pôr a classe C como protagonista, mas isso já foi tentado antes – e só isso não explica o êxito. Se a trama das 9 nos magnetizou é porque soube perguntar no tom exato, com os personagens certos: a virtude é factível nessa grande avenida chamada Brasil?

Desde muito tempo, a novela das 8 (que hoje vai ao ar às 9) tem sido a grande metáfora do país. Desta vez, a metáfora ficou mais explícita, a começar do nome: Avenida Brasil. Segundo a radiografia chocante que essa metáfora nos apresenta de nós mesmos, somos um país que perdeu a inocência e teve de amadurecer no desencanto, pondo em xeque todos os idealismos.

A pergunta sobre a existência da virtude está, para nós, na ordem do dia. Pensemos um pouco sobre o desmoronamento de nossas esperanças mais recentes. Logo após o fim da ditadura militar, nosso eleitorado acolheu as promessas de um salvador da pátria, um “caçador de marajás”, que fazia poses de príncipe anabolizado em cima de um cavalo branco (ou de uma motocicleta japonesa). Terminou em impeachment. 

Depois, os que derrubaram o salvador desmoralizado, que posavam de heróis, com aura de redentores, revelaram-se, eles também, um tanto malignos. Agora, estamos aí às voltas com o julgamento do mensalão, que evolui como novela misturada com reality show.

Mais difícil
Não, não há mais lugar para redentores. O imaginário nacional parece mais adulto. Em lugar de buscar o paraíso na Terra, parece mais aberto a lidar com saídas realistas, humanas e dignas. Já não aposta tanto no herói incorruptível – e vai descobrindo o valor de instituições sólidas, ainda que operadas por homens e mulheres imperfeitos.

Na novela é fácil: o amor (sempre ele) acaba dando jeito nas misérias. Quanto ao Brasil de verdade, é mais difícil. Não perca os próximos capítulos da nossa história real.
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[Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM]

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A serviço da imbecilidade


"A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana"
Do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Editora Record - Rio de Janeiro, 1985

Do "Se Liga, Bocão" para o mundo

"Só nesse cabelo eu tenho vários salários mínimos! Papi, eu sou bonita!"